Contrair obrigação de despesa sem deixar lastro financeiro para o próximo gestor.
Restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal ao Final do Mandato
Este artigo inaugura uma série sobre as Restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ao Final do Mandato, com o objetivo de abordar os
principais desafios enfrentados pelos gestores públicos nos últimos meses de sua administração. Ao longo dessa série, discutiremos aspectos críticos que envolvem a gestão financeira responsável na transição de mandatos. Neste primeiro artigo, focamos em uma das questões mais sensíveis: a contratação de obrigação de despesa sem deixar lastro financeiro para o próximo gestor. Entenda as restrições impostas pela LRF e as estratégias que podem ser adotadas para garantir uma transição fiscalmente equilibrada e segura.
Entendendo o Artigo 42 da Lei Complementar
O artigo 42 da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF) é uma das principais ferramentas de controle fiscal no final de mandato, estabelecendo que, nos últimos dois quadrimestres (oito meses) de mandato, o gestor público não pode contrair obrigações de despesa que não possam ser pagas integralmente dentro do próprio mandato, ou para as quais não haja recursos financeiros garantidos para o exercício seguinte.
O que significa "contrair obrigação de despesa"?
"Contrair obrigação de despesa" refere-se ao ato de assumir compromissos de pagamento decorrentes de compras, serviços ou obras, cuja execução ou fornecimento já tenha ocorrido, gerando a necessidade de pagamento. No entanto, nem todo contrato firmado durante o mandato implica, imediatamente, uma obrigação de despesa para aquele exercício. É importante distinguir entre o compromisso contratual e o fato gerador da obrigação de pagar.
Contratos cuja execução será realizada no exercício seguinte (como obras ou fornecimentos futuros) não configuram imediatamente uma obrigação de despesa, pois a obrigação de pagamento só ocorre quando o serviço ou a entrega é efetivamente realizada e, em termos de execução orçamentária, devidamente liquidada, ou seja, quando há a verificação concreta da entrega do bem ou serviço contratado.
Se a LRF exigisse que o gestor deixasse lastro financeiro para cobrir a totalidade de contratos cuja execução ocorre em parte durante a próxima gestão, isso poderia inviabilizar o funcionamento da administração pública. Para evitar infringir o artigo 42, o gestor que encerra o mandato precisaria anular todos os contratos em andamento, o que causaria paralisação de obras, fornecimentos de materiais e serviços essenciais, resultando em um colapso no início da nova gestão.
Por outro lado, despesas cujo fato gerador ocorre nos últimos quatro meses do mandato — ou seja, despesas já liquidadas ou prontas para liquidação — devem obrigatoriamente estar cobertas por lastro financeiro. Isso significa que, para essas despesas, deve haver dinheiro em caixa suficiente para efetuar o pagamento antes do fim do mandato ou assegurar que o próximo gestor tenha os recursos garantidos para honrar o compromisso.
O que significa “Disponibilidade de Caixa”?
Para garantir uma transição fiscal responsável e em conformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), é essencial que os gestores façam um cálculo preciso da disponibilidade de caixa. Este cálculo envolve não apenas verificar o saldo financeiro existente, mas também assegurar que os recursos estejam adequadamente vinculados às despesas que eles devem cobrir.
A disponibilidade de caixa refere-se ao montante de recursos financeiros efetivamente disponíveis nas contas públicas ao final do mandato. No entanto, é fudamental observar que não é qualquer recurso disponível que pode ser utilizado para cobrir qualquer despesa. Os recursos vinculados a finalidades específicas, como educação ou saúde, devem ser respeitados. Isso significa que o saldo disponível em determinada fonte de recursos só pode ser usado para quitar despesas relacionadas àquela finalidade específica.
Observando a vinculação dos recursos
A LRF, em seu artigo 8º, parágrafo único, estabelece que "os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso". Em outras palavras, um recurso vinculado deve ser utilizado somente para o objetivo para o qual foi legalmente destinado, independentemente do exercício financeiro.
Por exemplo, a disponibilidade de caixa em uma fonte de recursos destinada à educação não pode ser usada para pagar despesas na área da saúde. Se o gestor deixar um saldo financeiro elevado em uma área, como a educação, mas contrair obrigações de despesa em outra área, como a saúde, sem o devido lastro financeiro, estará descumprindo a LRF. Cada despesa deve ser coberta pela fonte de recursos correta e conforme sua vinculação legal.
Atenção da equipes de transição de governo!
As restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), especialmente no que se refere à contratação de obrigações de despesa e à correta análise da disponibilidade de caixa com base nas fontes de recursos vinculadas, devem ser tratadas com máxima atenção pelas equipes de transição de governo. Essas equipes têm a responsabilidade de garantir que a próxima gestão tenha uma visão clara e precisa sobre a situação fiscal do município ou estado, assegurando que não sejam herdados compromissos financeiros sem lastro, o que poderia comprometer o início da nova administração e a continuidade dos serviços públicos essenciais.
Conclusão:
Garantir uma transição fiscalmente equilibrada ao final do mandato é essencial para a continuidade das políticas públicas e para o bom funcionamento da administração seguinte. O artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal impõe limites sobre a contratação de obrigações de despesa, exigindo que os gestores só assumam compromissos que possam ser quitados com os recursos disponíveis, ou que tenham lastro financeiro garantido.
Portanto, ao seguir essas diretrizes e planejar adequadamente o final de mandato, o gestor público não só cumpre suas obrigações legais, mas também deixa um legado de responsabilidade e comprometimento com a boa governança. Isso evita a criação de uma herança fiscal negativa e permite que a administração subsequente inicie seu trabalho de forma equilibrada e eficiente.
Muito bom Wesmey!